Saiu o Half-Life 2. O sucessor daquele que foi “o jogo” que revolucionou o online gaming está aí. E, sendo apenas o seu segundo jogo, a Valve volta a apostar em tecnologias e ideias inovadoras para as quais meio mundo parece ainda não estar preparado.

Numa indústria que se vai afirmando como um mundo à parte e que vai passando ao lado de muitos investidores, a Valve parece ter ignorado as pressões dos lobbies de Fabricantes de Hardware e das distribuidoras, lançando a sequela daquele que serve de base ao jogo mais jogado no universo online nos últimos 6 anos e não fez a coisa por menos. Lançou o seu produto sem que este seja excessivamente exigente. Convenhamos que um PC de topo seria sempre agradável, mas com um Pentium III a 900Mhz e com uma placa gráfica de 75€ já o jogo é perfeitamente jogável, principalmente quando comparado com alguma da sua concorrência directa (Doom 3, FarCry…). E aqui a Valve está a piscar o olho aos muitos que não têem meios para ter uma máquina topo de gama de 18 em 18 meses. Por outro lado, estará também a dar uma subtil piscadela de olho aos grandes fabricantes de Hardware. E digo subtil porque a mesma Valve, por ter os jogos mais jogados no entanto menos exigentes em termos de Hardware, já vira alguns dos seus jogos serem postos de parte de alguns eventos precisamente por estes serem pouco exigentes.

Passo a explicar. Quem são os principais patrocinadores de eventos de jogos? Os fabricantes de Hardware. O que ganham eles com isso? Visibilidade. E mais… Os clientes passam a ter a necessidade de consumir. Cria-se nos clientes a necessidade de adquirir algo. Porque é preciso ter a gráfica XPTO para o jogo X ter o desempenho ideal. E se assim é, venda-se essa placa gráfica. Criou-se um ciclo de oferta e procura em torno de jogos… As software houses lançam os jogos que precisam dos recursos de hardware, os fabricantes de hardware competem entre si para lançar o melhor e mais vistoso produto no mercado e depois criam-se feiras de jogos para vender tudo ao cliente. Jogos e hardware. E a coisa continua por aí. Envolve, inclusivamente, os ISPs. Sim, porque grande parte das ligações de banda larga foi motivada precisamente pelo universo do online gaming. Tudo bem, os downloads ajudam, mas convenhamos que ninguém quer pagar 35€ por mês para poder ver páginas e ler os jornais online, porque para isso comprava-se o jornal em papel e ainda ficávamos a ganhar. Aqui em Portugal faltará talvez a sensibilização dos ISPs para o mercado do online gaming, potenciando-o e amadurecendo-o para depois viver dele. Mas adiante…

Então porque é que a Valve foi “encostada”? Porque o Counter-Strike é o jogo mais jogado no mundo e não é preciso muito para poder ser jogado em pleno. E porque o Day of Defeat, apesar da enorme pressão dos seus adeptos, foi encostado dos eventos internacionais, em parte, por causa disso. Não traz nenhuma novidade, nenhum requisito em termos de hardware novo. Ou seja, não vale a pena investir num jogo que não trará vendas de hardware, terão dito alguns.

Pois bem, dizia eu que a Valve tinha procurado agradar a gregos e a troianos… Colocou no mercado um produto que para ser aproveitado em pleno requer uma máquina topo de gama mas que consegue ser pouco exigente o suficiente para ser corrido numa máquina bastante mais básica. Eu que o diga. Por um lado fico agradecido por poder jogá-lo, por outro fico com vontade de adquirir hardware que me permita jogá-lo em pleno. E tudo isto sem recriminar a Valve por ter feito um jogo sem pensar nos low-end users. E eu até consigo jogar FarCry e Doom 3 na minha máquina… mas o gozo do jogo esvai-se quando aquilo parece correr em câmara lenta e quase que poderia enviar os comandos de movimentos por SMS (com relatório de entrega). Resultado: farto-me do jogo e encosto-o. Talvez um dia, com outra máquina, venha a procurar jogá-lo.

Mas bem, os trunfos da Valve não se ficam por aqui. É que o jogo é simplesmente LINDO. Não digo se é um bom ou um mau jogo, se se poderia fazer mais e melhor, não estou aqui para fazer uma crítica ao jogo. Mas a verdade é que conseguiram lançar um jogo visualmente fabuloso, com um motor (o Source) fantástico, em termos físicos e visuais. Mas há mais… O Half-Life 2 é distribuído em 5 pacotes. Exacto, 5 formas básicas de distribuição (que podem ser sub-divididas…). Vejamos:

Half-Life 2 Retail – Vendido nas lojas. É o jogo mais tradicional. Compra-se uma caixinha com um DVD (ou CDs) com o jogo.

Half-Life 2 Collectors’ Edition – Vendido nas lojas, é também o jogo de uma forma mais tradicional. Também em CDs ou DVD, contém mais uns brindes e material coleccionável para fãs do jogo.

As semelhanças com o tradicional ficam-se por aqui. É que as 3 próximas versões de distribuição são uma inovação. Baseadas no Steam, que é uma plataforma que acaba por funcionar como um pequeno sistema operativo para os jogos da Valve, gerindo-os e permitindo actualizá-los na hora em que sai um patch, sem recurso a páginas e pesquisas. As 3 versões seguintes podem então ser adquiridas via Steam, com pagamento através de cartão de crédito (ou MBnet) e o jogo será descarregado via Steam, ou seja, o Steam tratará dos downloads necessários. Não basta? Pois então tenhamos em consideração que o Steam efectua o download do estritamente necessário para que se possa jogar, para que possamos jogar o jogo enquanto o resto do jogo continua a ser descarregado para a nossa máquina. Juntemos a isto o facto de os preços serem mais baratos que aqueles que se encontram nas lojas… Aqui ficam:

Half-Life 2 Bronze – Inclui o Half-Life 2 e o Counter-Strike:Source – basicamente o equivalente à versão retail, mas bastante mais barata (principalmente porque o Euro está mais forte que o Dollar)

Half-Life 2 Silver – Além dos já mencionados Half-Life 2 e CS:S, inclui o Half-Life 1 adaptado ao motor Source e conta já com o acesso ao Day of Defeat. Inclui também o acesso ao “Back Catalog” da Valve, através do Steam.

Half-Life 2 Gold – Inclui tudo o que a versão Silver tem, mais posters do jogo, strategy guide, Banda Sonora Original do jogo, Boné, collector’s box, postais e outros brindes.

Tudo isto a preços bastante mais baratos que aqueles praticados nas lojas. Claro que não ficamos com o DVD e com a caixinha toda catita… claro que temos que fazer o download dos componentes, mas… não valerá a pena? Não estará a Valve a querer ser pioneira naquilo que espera vir a ser o futuro? E aqui é que está o porquê do título deste texto… Será que o mundo está preparado para isto?

Vejamos, curto e grosso, quem comprar a versão Gold do Steam terá que pagar uma taxa alfandegária que pode tornar a poupança num custo adicional exorbitante. Pois é… quem quiser poupar uns trocos e aceder a algo que pode ser comprado APENAS desta maneira pode ver-se entre a espada e a parede. É que os ficheiros chegam via download, mas os “brindes” como a Banda Sonora Original do jogo e o boné chegam por correio, com o seu valor declarado. Sendo que a encomenda chega dos Estados Unidos, logo fora da União Europeia, há uma taxa alfandegária a pagar. E agora? Terá a Valve pensado nisso? Vozes críticas não se fizeram esperar, mas… será que a culpa é da Valve, que deveria abrir um centro de distribuição em cada um dos países onde tenciona comercializar o seu produto, ou será que as legislações dos países deveriam ser revistas tendo em conta aquilo que vem sendo uma realidade crescente de dia para dia chamada Comércio Electrónico? Que sentido faz efectuar uma compra de algo que, sublinho, não é vendido em Portugal e ter que pagar uma exorbitância de taxas alfandegárias? Que nos diz isso de páginas como o Ebay ou a Amazon (que, felizmente, abriu uma filial europeia)? Que nos diz isso de todas as páginas que procurem vender algo, sejam CDs áudio, sejam livros, candeeiros ou jogos de computador? Deverá um português pagar mais por um jogo do que um americano? Deverá o governo português tirar uma fatia tão grande daquilo que um consumidor final procura comprar, sendo que não lhe é dada a hipótese de o comprar aqui mesmo, em Portugal?

Creio que aqui o que falta é legislação e alguma mudança de mentalidades. A Internet é algo que, não sendo uma novidade para a maioria de nós, é recente em termos legais. Aqui em Portugal paga-se tudo. Os computadores, os ISPs a preços bastante elevados quando comparados com outros ISPs europeus… precisamos disso para entrar naquele que pode muito bem vir a ser o comércio do futuro. Mas, será que Portugal está pronto para esse futuro?

A Valve arriscou e foi pioneira num sistema que, adivinha-se, virá a ser bastante mais utilizado no futuro. Ultrapassou as barreiras impostas pela mentalidade dos clientes, que abdicaram de ter nas suas mãos o disco e nas suas prateleiras a caixa… E afinal, parece que a maior adversidade estaria não na mentalidade de quem compra, mas no emaranhado legal que se entrelaça em tudo o que envolva dinheiro. Por isto e por aquilo que ficou ainda por dizer, fica a pergunta:

Estaremos prontos para o HL2?

Um artigo de opinião (IMO) de: Ricardo “PuRpl3” Mota